Na raiz da sustentabilidade

"Com a decomposição do material, a terra ainda fica mais escura e com minhocas, o que mostra a riqueza do solo", constata o mandiocultor Fernando Muncio Compagnoni Neto

Cultivada sob o solo, a mandioca também fica abaixo de outras culturas quando se fala na evolução do sistema de plantio. Ainda que o Paraná seja um dos líderes em profissionalização e produtividade no País, agricultores da região Noroeste passaram a conviver com perdas de desempenho e de sustentabilidade das propriedades rurais. Parte deles chega a migrar para o Mato Grosso do Sul em busca de terras mais férteis e reclama de ter de usar hoje implementos semelhantes aos que os avós tinham há 30 anos.

A migração da cultura é ruim também para a indústria, já que as 42 fecularias ativas no Estado equivalem a 57% do parque nacional. Há ainda 60 fábricas de farinha e os núcleos regionais mais representativos do Estado estão em Paranavaí, Campo Mourão, Toledo e Umuarama.

A busca por uma solução para o problema uniu pesquisadores de órgãos como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Iapar (Instituto Agronômico do Paraná) e a Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) a agricultores interessados em inovação, que adaptaram maquinários e testaram insumos e variedades de mandioca para o plantio direto, sistema já tradicional na produção de grãos. Parte dos testes comparativos serão apresentados no fim de julho, com o foco na sustentabilidade das propriedades rurais, redução de custos e uma tendência ao aumento da produtividade em médio prazo.

Não se trata da primeira tentativa de plantio direto na cultura, o que ainda gera controvérsias sobre os resultados. Tentativas anteriores proporcionaram uma redução de custo e do número de operações de revolvimento da terra, mas não necessariamente elevaram a produtividade.

No entanto, o pesquisador Marco Antônio Sedrez Rangel, da Embrapa Mandioca e Fruticultura - cuja sede é em Cruz das Almas (BA), mas ele está lotado na Embrapa Soja, em Londrina -, afirma que, uma vez que o agricultor possa contar com as variedades da raiz, maquinário e insumos próprios para a técnica, é claro que o desempenho será melhor devido à melhor qualidade do solo. "A Embrapa tem dados de 11 anos de experimentos que me permitem dizer que é possível produzir mais do que no plantio convencional."

No Noroeste do Paraná, onde o arenito predomina no solo, as diferenças entre o sistema tradicional e o direto são visíveis. Com a palhada e sem que a terra seja remexida, o material orgânico e a umidade deixam a superfície com uma cor mais escura, mais viva. "Com a decomposição do material, a terra ainda fica mais escura e com minhocas, o que mostra a riqueza do solo", diz o mandiocultor Fernando Muncio Compagnoni Neto, um dos que se envolveram com o desenvolvimento de inovações na cultura.

DIFERENÇAS
Quando se fala em plantio direto, a comparação com o sistema já disseminado para a produção de grãos é a que vem à mente. Com a mandioca, entretanto, o solo é remexido na colheita, o que não ocorre com a soja, por exemplo.

A diferença do conceito de plantio direto aparece mesmo no momento inicial da lavoura. No modelo convencional usado no Noroeste do Estado, consorciado a pastagens, a terra é remexida por uma média de seis vezes, entre operações como arado, nivelação e tombamento, entre outros. Depois que a maniva entra no solo, a planta demora até 120 dias para cobrir a terra, que fica desprotegida.

Assim, basta uma chuva mais intensa para causar erosão e perda de nutrientes, por exemplo. "O mandiocultor até investe. Há 15 anos não se fazia nem terraço e hoje é raro que não se tenha, mas só isso não basta", conta o pesquisador e engenheiro agrônomo Mario Takahashi, do Iapar.

No plantio direto, é feita a dessecação da pastagem e então já se pode usar o escarificador, com adubação da linha de plantio. São de três a quatro operações a menos de gradagens do que no convencional. Sem o revolvimento da terra, a palhada que fica sobre o solo reduz a temperatura, eleva a umidade e evita a erosão pelo período em que a planta se desenvolve e cobre a superfície. Além da manutenção da nutrição do solo, as principais vantagens no direto são a redução de custos, a menor incidência de doenças e um prazo médio de dez dias a mais para o plantio.

A terra com palhada na superfície tem mais pontos positivos do que negativos. O solo fica mais úmido e a temperatura oscila menos, o que gera resistência maior a secas e geadas. Por outro lado, a planta se desenvolve mais vagarosamente nos primeiros meses por receber menos calor. "Algumas variedades sentem a competição da palhada, mas temos uma lançada e outras em vias de serem lançadas que apresentam um crescimento inicial mais vigoroso, cobrindo o solo rapidamente", diz Rangel.



EXPECTATIVA É DE LANÇAMENTOS NO MERCADO EM ATÉ TRÊS ANOS
O pesquisador Marco Antônio Sedrez Rangel, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, afirma que as novas variedades desenvolvidas para o plantio direto da raiz estão em fase de registro e multiplicação de ramas, com expectativa de chegar ao mercado em três anos. Ao mesmo tempo, ele diz que o desenvolvimento de soluções para o maquinário e para o manejo já estão prontos. "Temos testes com herbicidas e também com controle mecânico, para quem quer evitá-los."

Isso não significa que os produtores interessados no plantio direto da mandioca precisem esperar tanto. As alternativas e adaptações para equipamentos já são desenvolvidas desde o início deste século por pesquisadores da área, como o professor de mecanização agrícola Emerson Fey, do campus de Marechal Cândido Rondon da Unioeste.

Por desenvolver o trabalho nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, ele conta que coordena estudos para a mandioca em solo argiloso. Por lá, a raiz é plantada em consórcio com soja, milho e aveia, que costumam ter um solo com menor necessidade de correção, também uma diferença em relação às pastagens do Noroeste. "Na brachiaria, às vezes deixam o boi pisoteando a área por mais de cinco anos sem uma adubação bem feita", diz. "Mas o solo arenoso é mais fácil de trabalhar, pela menor resistência para fazer o sulco para o plantio", completa Fey.

O professor afirma que o maior desafio é mesmo a modificação do maquinário, já que hoje não há uma plantadeira 100% pronta para o plantio direto nas fábricas. "Sobra para o produtor adaptar, mas o aumento da demanda deve fazer com que os fabricantes visualizem a chance de alavancar vendas", diz Fey.

Um dos exemplos de mudança é a haste sulcadora alada, que ele desenvolveu em tese de doutorado e que deixa mais largo o espaço para o plantio. "Chegamos a um resultado melhor porque as manivas ficam melhor alojadas, têm uma brotação maior e menos falhas, o que evita perda de produtividade", cita.

Para evitar o revolvimento de terra, não é feito o nivelamento antes do plantio direto. Por isso, Fey explica que é preciso implantar um sistema de rodas articuladas, que se adaptem à ondulação do solo. "Isso é comum em plantadeiras para soja e outras culturas, mas ainda não é para a mandioca." (F.G.)


Fábio Galiotto
Reportagem Local


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